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A arte do conto segundo Tchekhov

Anton Tchekhov é um ícone do conto moderno. Apesar de no início da carreira ser relutante à atenção e aos elogios que começava a receber, mais tarde ele começou a reconhecer a sua grandeza no meio artístico. Isso é o que ficamos sabendo no livro “A. P. Tchekhov: Cartas para uma poética”, de Sophia Angelides.

O livro reúne algumas das cartas do escritor para contemporâneos, incluindo alguns críticos, escritores iniciantes e seu próprio irmão. Nessas cartas, Tchekhov revela suas ideias sobre a arte, especialmente sua especialidade, os contos, e sobre o papel do autor, revelando suas preferências com relação ao estilo artístico.

Em uma de suas cartas, por exemplo, ele faz uma descrição minuciosa do personagem principal de sua peça Ivanov. Mostrando a construção de seu caráter como um resultado de suas angústias. Nessa passagem, fica claro o domínio que Tchekhov possuía do seu objeto de estudo: o homem russo; mas não como um apontador de falhas de caráter, e sim com o olhar cuidadoso de quem os compreendia.

Dos temas que Tchekhov aborda, eu destaco aqui alguns que revelam a opinião de Tchekhov sobre estética, o conto e especialmente sobre a arte. Como o uso excessivo da dramatização no texto, o que ele chama de pieguice, a subjetividade do escritor o que leva às suas reflexões sobre o papel do autor, a sinceridade na escrita e a preguiça.

  • Subjetividade

A subjetividade de alguns escritores de fato incomodava Tchekhov, tanto que é um dos temas mais recorrentes de suas cartas. Em sua visão, o escritor tinha que ser sempre objetivo e não julgar seus personagens, devendo, por sua vez, cuidar de descrever os detalhes de uma cena: “Descreva o almoço, de que maneira eles comeram, o que comeram, como é a cozinheira, como é vulgar o teu herói, satisfeito com sua felicidade indolente…”. Para ele, a subjetividade, além de ser horrível, denuncia o autor da cabeça aos pés.

“Ele deve renunciar à subjetividade da vida cotidiana e saber que os montes de estrume desempenham um papel muito respeitável na paisagem, e que as paixões ruins são tão inerentes à vida quanto as boas.

  • O papel do autor

As cartas têm um material abundante sobre o que Tchekhov considera ser o papel do autor. Ele afirma e reafirma que o autor deve se poupar de julgar seus personagens e de encher as páginas com seus próprios dramas. Incomodava a Tchekhov que os críticos e outros escritores exigiam dele que ele se posicionasse sobre as questões morais e sociais da sua época, enquanto ele acreditava que ao autor cabia apenas observar e retratar as coisas o mais próximo da realidade.

“Você quer que, ao representar ladrões de cavalo, eu diga: roubar cavalos é um mal. Isso, porém já é sabido há muito tempo, sem eu precisar dizer. Deixemos os jurados julgá-los, ao passo que a minha função é apenas mostrar como eles são.”

“A quem interessa conhecer a minha e a tua vida, os meus e os teus pensamentos? Dê às pessoas outras pessoas, e não a tua própria pessoa.”

  • A sinceridade na escrita

Tchekhov também acrescentou a sinceridade como sendo um dos papéis do autor. Ele argumenta acertadamente que fica claro quando o autor fala de coisas que não conhece bem. Além disso, ele considera que autor deve se comportar como especialista e, assim como eles, esmiuçar e se debruçar sobre seu objeto de interesse.

“Não invente sofrimentos que você não experimentou, não desenhe quadros que você não viu, pois a mentira, num conto, é bem mais enfadonha do que numa conversa”

  • Preguiça

Quando escrevia a seu irmão Aleksandr, Tchekhov o admoestava com o cuidado que ele devia ter com suas obras, dizia-lhe categoricamente para “deixar as mãos em paz quando o cérebro estiver com preguiça!”. E ainda lhe recomendava conselhos que recebia de outros amigos, como o dito por Grigoróvitch: “… guarde suas impressões para um trabalho meditado, elaborado, escrito não de uma sentada”. E, sincero que era, Tchekhov admitia para alguns dos escritores iniciantes que lhe procurava que ele mesmo não prestava aos seus contos o cuidado que eles mereciam.

“É preciso ficar escrevendo um conto durante uns cinco ou seis dias e, enquanto escrever, pensar nele o tempo todo, pois do contrário você nunca poderá elaborar as frases. É preciso que cada frase permaneça no cérebro uns dois dias e seja lubrificada, antes de se deitar no papel”

  • Arte

Com toda essa riqueza de informação, nós conseguimos inferir toda uma visão particular de Tchekhov sobre a arte, especialmente a escrita. Em algumas de suas cartas, ele é bem explícito em colocar o artista como um tradutor da vida real e “uma testemunha imparcial”. Em alguns momentos, percebemos sua indignação com a presunção de alguns escritores de sua época, que colocavam a si como portadores da verdade absoluta, como pode ser visto nos trechos abaixo

“Já está na hora de as pessoas que escrevem, sobretudo os artistas, perceberem que neste mundo não se compreende nada, como reconheceu outrora Sócrates e como Voltaire reconhecia.”

“Ao exigir do artista uma atitude consciente em relação ao seu trabalho, você tem razão, mas confunde dois conceitos: a solução de um problema e a colocação correta de um problema. Apenas o segundo é obrigatório para o artista.”

  • Contos

Por fim, como o grande contista que era, ele não poderia de deixar explícito suas ideias para um bom conto. Os seus próprios ele descrevia como um início tranquilo, um meio espremido, e o final como uma espécie de fogos de artifício. Não por opção, diga-se, mas por medo de não cumprir os prazos e acabar sem dinheiro. E a esse final de fogos de artifício ele considerava um “tapa na cara” do leitor.

Para ele, o conto deveria ser objetivo, ter veracidade e ousadia. Além disso, ele deixa claro sua repulsa por “palavrório prolongado de natureza político-sócio-econômica”

“As grandes obras têm os seus objetivos, que exigem um trabalho mais minucioso… Nos pequenos contos, porém, é melhor dizer a menos do que a mais, porque… porque… não sei por quê…”

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Eva Maia Malta

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