Eis que amo. Depois de dois casamentos fracassados e cinco anos de namoros tapa- buracos, amo. Mesmo depois de tanto tempo a sensação é tão doce. Eu, homem, sinto um delicado prazer em te pegar pela mão e te chamar de meu amor, mesmo sendo tão breve, tão leve. Não penso em eternidade, nem me deixo mais me iludir pelo para sempre, apenas te tenho no hoje e aqui te amo suavemente, enquanto construímos lembranças.
Até que me perguntam: “estás apaixonado?”. Minha resposta é doce como nosso sentimento: “ah! Não” e sorrio. É porque coisa calma assim não pode ser paixão. Pode ser carinho, ou até uma espécie de amor, mas paixão? Ah! Paixão, não.
A pergunta me faz lembrar de todas as minhas paixões: aquela que não pude ter e aquela que me iludiu e me abandonou. Só duas? Acho que sim. Paixões, essas que nos fazem perder o prumo, costumam ser raras. E minhas amostras de paixão, duas apenas, apesar de poucas, têm algo em comum: trazem-me lembranças dolorosas. Daí minha resposta tão direta e simples: não, apaixonado não, de jeito nenhum. E o riso, não posso deixar de mencionar meu riso sincero com tal pergunta.
Minha primeira paixão foi uma daquelas em que não havia dúvidas: estava apaixonado! Ela tinha dezessete anos; eu, dezesseis. Era loura, rosto de anjo, linda, parecia artista de televisão. Qualquer pessoa que a olhasse se apaixonaria por ela. Então não havia muito o que pensar, a paixão era quase lógica, quase tão exata quanto uma operação matemática. Seu status de inalcançável só a tornava mais desejável para mim e toda a minha paixão teve essa dor suave, no fundo do peito, que gostava de existir e gostava de sonhar mesmo sabendo que jamais aconteceria.
Já a minha segunda paixão surgiu quando ainda estava no primeiro casamento. Foi repentino e breve como uma paixão de cartilha. Ela sempre esteve cercada pela aura da impossibilidade e do proibido e isso me fazia idealizar esse sentimento heroico, que poderia me fazer largar tudo para ficar com quem queria. A moça, também comprometida, correspondeu aos meus charmes e, em poucos dias, vivemos um tórrido caso extra-conjugal. Eu sempre quis usar a palavra tórrido, aliás sempre quis vivê-la. Um caso de amor assim proibido, que me forçava a criar artimanhas para sair à noite, aliado à imagem de que minha vida tinha mais coisas do que as pessoas imaginavam, de que eu era mais interessante, serviram para aumentar minha paixão e minha vontade por aquela moça. Mas o caso teve fim e não por minha parte. Ela que veio, como quem não teve culpa de nada, dizer que não queria mais e que amava o marido. Nos dias seguintes, eu vi que nunca havia significado nada para ela e, dela, só recebi um desprezo firme toda vez que tentei entrar em contato. A dor foi forte, meus amigos. E o resultado disso foi uma semana de bebedeira e o fim do meu primeiro casamento.
Com toda essa angústia que acompanhou minhas primeiras paixões, é impossível cogitar que eu esteja apaixonado pela minha atual namoradinha. Tudo com ela é tão doce e meigo, todas as nossas lembranças são tão suaves e repletas de segurança. Não há a dor da paixão, não há o medo, nem o desespero. Há uma confortante paz. Então, desculpe-me, meu bem, mas eu não me sinto apaixonado por você ainda. Talvez quando eu te perder, se eu te perder, talvez aí a dor e a vontade de te reconquistar faça começar a nascer em mim uma paixão por você.
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Sim , há
Há paixão sem dor .
Melhor dizendo , sim e não .
Me parece que se há paixão , em algum momento a dor sempre vai surgir.