Categories: Crônicas originais

Mais um dia de quarentena

Tomei banho e passei batom. Na verdade, ainda estava passando o batom quando minha filha entrou no quarto e perguntou:Vai aonde?

-Ao mercado.

-Arrumada desse jeito?

-Oxente menina, uma roupinha simples dessa!

A verdade era que minhas roupas estão quase todas no cesto, só sobraram as de ir para o escritório. É o que dá quando você passa o dia todo de pijama, acaba esquecendo de lavar as roupas que precisa.

-E você já não foi no mercado hoje, mãe?

-Esqueci de comprar o frasco de azeitona.

-E para que a senhora quer frasco de azeitona hoje? Deixa pra comprar da próxima vez.

Eu sabia que ela estava querendo rir, então não olhei na cara dela. O que tem ir comprar o frasco de azeitona? Eu quero comer azeitona hoje, posso não?

-Me deixa em paz, Rafaela.

-Ficou linda com esse batom vermelho mate, pena que ninguém vai ver – e soltou uma gargalhada.

-É para hidratar!

Tinha esquecido do diabo da máscara!

Cheguei no mercado e passei 30 minutos procurando uma vaga no estacionamento. Parece que não é só eu que faz mercado de passeio, afinal de contas. Fiquei um tempo na fila para entrar, até que chegou minha vez de passar álcool em gel na mão. O rapazinho do mercado perguntou: Posso medir sua temperatura, senhora?

-Claro!

-37,5 graus. Já é um pouco febril. – Disse ele com olhos arregalados. Eu não sabia se ele estava com medo de mim ou me julgando por sair de casa.

Queria dizer que não era febre não, estava bem. Deve ser o calor da menopausa, pensei, mas não disse, apenas dei um sorriso amarelo esperando algum sinal dele, algo que me desse a entender que eu podia seguir em frente. Ele continuava me olhando esquisito. Até que me dei conta de que era eu  que estava parada na frente dele o encarando, com meu sorriso por trás da máscara. Um sorriso que ele não via!

Olá, obrigada por ter chegado até aqui. Nesse espaço, eu costumo divulgar crônicas originais por mim escritas. Portanto, se você quiser continuar acompanhando o meu trabalho, siga-me nas redes sociais. Um abraço!

Eva Maia Malta

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  • Uma pena que acabou tão logo. Tava ansioso já pra saber que que ia dar com essa história da azeitona. Mas sempre prazeroso ler seus contos.

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