Categories: Crônicas originais

O que quer dizer o “eu te amo”?

No final do bilhete havia o Je t’aime. Eu não sabia nada de francês naquela época, mas tinha certeza que a tradução daquilo era “eu te amo” e fiquei um pouco alvoroçada com a mensagem. Depois descobri, para a minha surpresa, que je t’aime também podia ser um simples “eu gosto de você”; mas como assim usar amar para dizer que gosta, que só gosta? Meio confuso. Mas no fim era isso mesmo; em francês não existe o verbo gostar, é só amar, amar para tudo, aimer. Eu gosto de comer bolo de chocolate: j’aime manger du gâteau au chocolat. Eu gosto de andar pela manhã: j’aime marcher le matin. Eu gosto de você: je t’aime. Eu te amo: je t’aime também. Arriscado, mas parece que eles se viram bem assim.

Talvez seja porque os franceses, passionais, amem desse jeito mesmo: fácil. Ou talvez seja o contrário, por serem mais difíceis só vão para cama se verdadeiramente amar, então para quê ter o verbo gostar, não é mesmo? Não foi assim no caso daquele bilhete, todavia. No meu caso, o je t’aime queria apenas dizer gosto de você e tudo bem assim.

Relendo hoje aquele bilhete pergunto a mim mesma se caso o português só tivesse o verbo amar seríamos mais felizes, mais fiéis talvez. Será que na falta de um verbo alternativo, atenuante como o gostar, o verbo amar seria usado com mais cuidado? Afinal de contas, usá-lo-íamos para coisas que verdadeiramente amamos, como comer bolo de chocolate e andar pela manhã, não podemos trair essas atividades assim. Então ao abrirmos a boca para dizer a alguém que o amamos devemos manter a mesma lógica e o respeito por verbo tão importante.

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No inglês, por outro lado, o verbo gostar se faz presente. É um alívio já que agora são os americanos que estão nos visitando e dormindo conosco. Pelo menos com eles será fácil entender o simples significado do I like you; nada de confundir as coisas mais. Mas e para apaixonar-se? No inglês não existe apaixonar, não existe amoureux, existe to fall in love: cair em amor – interessante o uso do cair. E estar apaixonado então é simplesmente estar in love: em amor. Amor é um estado então? Passageiro como todos os outros? Para os falantes nativos, existe uma diferença clara entre o I love you e o I’m in love with you, que numa tradução ao pé da letra diz “eu estou em amor com você”; talvez o estar apaixonado para eles é um ato de dois lados que só existe se ambos compartilharem a mesma sensação.

Suspiro cansada de tanta confusão linguística, já basta a confusão do próprio amar, do gostar e de se apaixonar. Engraçado que a gente acha que seria tudo mais simples se falássemos, ao sentir, dos nossos sentimentos. Parece a mim que nossas línguas não nos ajudam nisso e, depois de dizer o que quer que seja, ainda precisamos explicar em detalhes o significado real de nossas palavras. E se for em uma carta então será necessário uma longa nota do autor logo após o “eu te amo”: esse verbo está sendo usado aqui seguindo a lógica francesa, ou seja, estou dizendo eu te amo, mas o quero dizer mesmo é que só simpatizo com você. Guardei de novo o velho bilhete do meu namoradinho francês – não sei porque a gente guarda essas coisas – e sem conseguir terminar de divagar penso nas pessoas às quais disse “eu te amo”, com orgulho constato que os amava de verdade, no sentido brasileiro do termo, amar que é diferente de gostar, mas rio quando lembro que nada disse à pessoa que mais amei.

Olá, obrigada por ter chegado até aqui. Nesse espaço, eu costumo dilvulgar crônicas originais por mim escritas. Portanto, se você quiser continuar acompanhando o meu trabalho, siga-me nas redes sociais. Um abraço!

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Eva Maia Malta

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