Fernanda almoçava de frente à Rebeca. Pediu uma lasanha à bolonhesa, enquanto a colega escolheu uma de frango com azeitona ao molho branco. Como boas companheiras de trabalho que eram, gostavam de compartilhar uma com a outra os problemas que estavam enfrentando. Assim, depois de umas frases aleatórias, típicas de quem não tem assuntos específicos para tratar, Fernanda começou:
— Ai, amiga. Semana que vem, eu e Ricardo iremos assinar o divórcio. Eu sei que já tem tempo que estamos separados, mas mesmo assim dói.
— Tinha esperança de voltar? – pergunta a outra, compreensiva.
— Até que não, mas a ideia de uma coisa definitiva é assustadora. Ainda mais carregar esse título: divorciada.
— Ah, não é tão mal assim – respondeu Rebeca, também ela divorciada. – No fundo, a gente não precisa de ninguém, amiga. Podemos muito bem ser felizes sozinhas.
— Eu sei, eu sei. Mas é difícil, ainda mais eu que ainda tenho filho pequeno. É difícil explicar as coisas para ele. Imagine que o pobrezinho ainda pergunta quando o pai volta. Espero que ele demore para notar que eu vou mudar meu nome, tirar aquele Bertolucci – disse entristecida. A amiga suspeitava que a tristeza era maior por tirar o sobrenome italiano bonito, mas apenas assentiu.
— Pois eu acho que o filho ser pequeno é até melhor. Os meus já estavam crescidos, viviam questionando as coisas, ficavam sempre do lado do pai.
— Não, amiga. Filho pequeno é bem pior, acredite em mim. Por não saberem de nada, acabam magoando na inocência. Você não sabe a dor que é quando ele chega falando da nova namorada do pai.
— Entendo, flor. Mas filhos crescidos sabem ser cruéis. Basta qualquer discussão, para jogarem na minha cara que é bem feito eu estar sozinha, que o pai não me aguentava, que ninguém me aguenta. Veja só você! O cretino me traia de perder a conta e eu que sou a culpada. Pelo menos o Ricardo é um homem mais decente. Alfredinho não vale o prato que come.
— Pois essa tal decência de Ricardo machuca muito mais – disse Fernanda, já se irritando com a comparação. – Desse jeito eu fico pensando que o problema sou eu, que ele é bom demais para mim. Como era de se esperar, ele já está com outra pessoa e sei que é sério, Ricardo não é de sair ficando por ficar, – parou um pouco para disfarçar a voz que tremulava – já deve estar pensando em casar de novo. Você, pelo menos, não tem boas recordações de seu ex-marido, é mais fácil esquecer.
— Esquecer o traste, pode até ser. Mas não a humilhação. Você não sabe o que é ser motivo de chacota entre os amigos, que sabiam que eu era enganada. Você devia dar graças a Deus por Ricardo ser como é. Pelo menos você pode dizer que teve um casamento feliz, eu nem isso – suspirou.
— Ah, Rebeca, mas amor que acaba é muito triste. Ainda mais quando não é o seu amor que acaba.
— Mas você ainda é bonita e jovem, Fernanda. Daqui a pouco arranja outra pessoa – completou a outra, já sem muita paciência.
— Você também não é nenhuma velha feia – respondeu Fernanda, já recuperada. – E já tem tempo que você se divorciou.
— Ah, minha filha, mas o trauma que ele deixou foi grande. Depois de passar por Alfredinho fica difícil confiar em homem de novo.
— E depois de ter uma pessoa como Ricardo, fica difícil achar outro à altura.
— Você devia parar de reclamar e aproveitar que os peitos ainda estão em pé e o filho ainda está pequeno. Quando crescem, vêem defeito em qualquer homem que você conhece e são tão mal criados com a pobre criatura que ele acaba fugindo.
— Pois você não acha que é muito mais difícil arranjar namorado com filho pequeno, não? – naquele momento, as duas haviam parado de comer e se olhavam indignadas. Fernanda, por exemplo, já se inclinava para frente, contrariada – Pense que o cara quer sair e você tem que cuidar de menino em casa; ele sugere viajar e você está com criança pequena à tira colo.
— Deixa com o pai, ora.
— Para quê? Para ele ficar amiguinho da nova namorada dele, pode até acabar se apegando a ela também. Consigo até ver Ricardo sair orgulhoso, esbanjando a família. Não, não, não.
— Bom, o menino vai ter ficar com o pai alguns dias. Alfredinho só saia com os meninos sob tortura. Eu até gostava para eles verem o pai que têm, depois até eles desistiram. E não ajuda em nada, o cretino, sustento aqueles meninos quase sozinha. Ricardo, pelo menos, dá tudo o que você precisa.
Aquilo ofendeu Fernanda, porque ainda precisar do ex-marido lhe era motivo de desgosto. Ricardo ganhava muito mais que ela e ele sempre permitiu que vivesse num estilo de vida que estava difícil continuar mantendo.
— Pois saiba você que é muito ruim ter que pedir coisas a Ricardo. Ainda mais depois que vejo fotos de viagem dele com aquela mulher, nunca vi tirarem tanta foto. E você diz que eu sou bonita, mas ela é muito mais bonita do que eu. Deve ser barata de academia. É de dar ódio.
Rebeca calou-se quanto a isso, a nova namorada de Ricardo era mesmo deslumbrante. Mas não se deu por vencida, porque ainda tinha um trunfo.
— Ah, minha filha, isso se supera. Mas o difícil é ter que lidar com um inútil como o Alfredinho e o canalha não ter a menor consideração por você. Você não sabe disso, mas aquele homem teve a coragem de me trair com minha própria prima. – parou para olhá-la e conferir sua reação. A outra havia se calado, então continuou – e ainda em um passeio em família, quando estávamos na casa de praia do tio Rodolfo. – Olhou-a novamente, para preparar a vitória e concluiu: traída pelo marido e pela própria prima.
Touché. Fernanda, calada, desviava o olhar fingindo estar concentrada na comida. Rebeca ficou observando de esguelha. Limpou a boca com o guardanapo, enquanto Fernanda, resignada, terminava a lasanha com algumas garfadas rápidas. Rebeca apoiou os cotovelos na mesa, esperando a colega terminar. Estava com um ar triunfante. Na disputa de maiores decepções da vida, sabia que havia ganhado.
Olá, obrigada por ter chegado até aqui. Nesse espaço, eu costumo dilvulgar crônicas originais por mim escritas. Portanto, se você quiser continuar acompanhando o meu trabalho, siga-me nas redes sociais. Um abraço!
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